“Os indígenas são os mais afetados pela violência do regime militar. Tiveram povos inteiros que foram exterminados.”  Matheus Leitão
“Quando Matheus Leitão e Chico Otavio são atacados nas redes sociais, o golpe não é contra eles, é contra a democracia.”  Jamil Chade

Por Marcia Maria Cruz

Mudar os rumos das investigações do assassinato brutal da vereadora Marielle Franco, identificar nomes de torturadores do regime militar ou desvendar o modus operandi da milícia no Rio de Janeiro. Os resultados de grandes reportagens foram tema da mesa que abriu os debates do segundo dia da programação adulta do Festival Literário Internacional de Petrópolis, Flipetrópolis, nesta quinta-feira, 2 de maio, no Palácio de Cristal. 

A mesa reuniu três nomes de peso do jornalismo brasileiro: Matheus Leitão, autor do livro-reportagem “Em nome dos pais”; Chico Otavio, que lança o “Queda livre: a história de Glaidson e Mirelis, faraós dos bitcoins”, escrito em coautoria com Isabela Palmeira; e Jamil Chade, autor de “Política, propina e futebol”.

Chico Otavio contou um pouco de como o trabalho jornalístico contribuiu para a mudança na linha investigativa adotada pela Polícia Civil do Rio de Janeiro. Chico acompanhava as investigações e, insatisfeito com os resultados oficiais que seguiam apenas uma linha investigativa, resolveu por conta própria tentar desvendar o assassinato que chocou o Brasil. 

Conseguiu entrevistar um dos suspeitos apontado como autor do assassinato, Orlando Curicica, a mando de Marcello Moraes Siciliano. Os bastidores do trabalho jornalístico de Chico  resultaram no livro “Mataram Marielle: como o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes escancarou o submundo do crime carioca”. Chico também escreveu outras grandes reportagens, como o trágico massacre de Vigário Geral.

A imprensa brasileira foi reprimida em diferentes períodos da história brasileira, mas sempre se colocou na linha de frente no enfrentamento à censura, como no período da ditadura militar. “Jornais sofriam censura física, censura financeira e perseguição fiscal”, lembrou. Nesse contexto, surge a imprensa alternativa,  surgem os jornais Movimento, Opinião e Pasquim, que também tiveram papel fundamental no enfrentamento à ditadura. 

Falando de diferentes períodos, Chico também destacou, recentemente, o papel da imprensa brasileira na produção de informações confiáveis sobre a Covid-19, com a constituição do Consórcio de Imprensa que divulgava os dados da pandemia. Chico abordou ainda a relação entre a ditadura militar e as milícias no Rio de Janeiro.

Os jornalistas também refletiram sobre liberdade de expressão, discurso do ódio e atuação das big techs. Chico defendeu que a liberdade de expressão tem de ser plena desde que o jornalista assuma o compromisso ético sobre o que está publicando. Matheus Leitão, que costuma receber inúmeros ataques nas redes sociais devido ao seu trabalho de jornalista, afirmou que o limite para a liberdade de expressão é quando se comete um crime. Matheus defendeu que é preciso regulamentar as big techs, principalmente, tendo em vista o impacto que a desinformação pode ter nas eleições.

Jamil destacou o alcance da coluna de Matheus Leitão que, em 2022, ultrapassou 220 milhões de acessos.  Matheus adiantou que está em projeto de novo livro que abordará o período da ditadura militar. “O golpe foi um momento terrível enfrentado pela geração dos meus pais”, destacou. No livro “Em nome dos pais”, Matheus relata a busca pelos torturadores de seus pais, os jornalistas Marcelo Netto e Míriam Leitão, que foram presos e torturados no período que vigorou a ditadura militar no Brasil.

Foto: @bleia

Enfatizou que jornalistas e pesquisadores têm papel fundamental de resgatar a memória dos 60 anos do Golpe e lamentou a forma como o Estado brasileiro tem enfrentado esse passado. “O Brasil não fez a justiça de transição”, ponderou. E citou ainda o filósofo francês Jacque Derrida: “perdoar não é esquecer”. Matheus defendeu que é preciso que o Estado dê uma resposta aos que perderam entes queridos e aos que foram torturados.

Matheus destacou que é preciso olhar para o passado, mas sobretudo para os impactos desse passado no presente. Exemplificou os impactos da ditadura militar para os povos indígenas brasileiros. “Os indígenas são os mais afetados pela violência do regime militar. Houve povos inteiros que foram exterminados”, disse. Ele defendeu que é fundamental ter atenção aos protestos e às reivindicações dos indígenas que fizeram uma mobilização em Brasília.

 Ao concluir o debate, Jamil lembrou o poder da reportagem para modificar a trajetória de investigações. “Quando Matheus e Chico são atacados nas redes sociais, o golpe não é contra eles, é contra a democracia. O debate sobre a imprensa não é só da imprensa. Que pacto democrático estamos nos propondo?”. Por fim, os dois autores autografaram os livros para os leitores e leitoras do Flipetrópolis.

Sobre o Flipetrópolis

A primeira edição do Flipetrópolis foi viabilizada pela Prefeitura de Petrópolis, o patrocínio do Grupo Águas do Brasil e o apoio cultural do Itaú e da GE Aerospace, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura. Todas as atividades realizadas dentro do Flipetrópolis são gratuitas. Com a curadoria de Afonso Borges, Sérgio Abranches, Tom Farias, Gustavo Grandinetti e Leandro Garcia, acontece entre os dias 1.º e 5 de maio de 2024, no Palácio de Cristal.

Serviço:

Festival Literário Internacional de Petrópolis – Flipetrópolis
De 1.º a 5 de maio de 2024, de quarta-feira a domingo
Local: Palácio de Cristal – R. Alfredo Pachá, s/n – Centro, Petrópolis / Programação Digital – YouTube, Instagram e Facebook – @flipetropolis
www.flipetropolis.com.br
Entrada gratuita