“Os poderosos produzem commodities para exportar. O povo não come commodities. A reforma agrária continua sendo um termo urgente para o Brasil.” Itamar Vieira Junior
“ A repressão vem quando não conseguem que negros, indígenas e brancos pobres não se rebelem.” Sérgio Abranches
Por Macia Maria Cruz
O escritor e geógrafo Itamar Vieira Junior e o cientista político Sérgio Abranches abordaram o acesso no Brasil em mesa mediada pela escritora Eliana Alves Cruz no sábado, 4 de maio, na última noite do Festival Literário Internacional de Petropólis no Palácio de cristal
Sérgio Abranches no texto “A terceira margem do Ipiranga”, que compõe o livro Balanços e desafios do bicentenário da Independência, aborda a disputa por terra e território e apresenta como negros e indígenas são violentados na sua humanidade para servir aos senhores da terra.
O best-seller “Torto arado” termina com a frase “sobre a terra há de viver sempre o mais forte”. Itamar lembra que essa dicotomia de fraco e forte é muito recorrente entre os trabalhadores do campo. Os que não têm o título da terra e trabalham nela são chamados de fracos. Já os fortes são os que detêm a posse e exploram o trabalho. A história do Brasil é marcada por essa violência. A desigualdade tem marcadores de cor e de origem, como se as pessoas já nascessem para ocupar determinados espaços da sociedade. “Os fortes são os que permanecem lutando pela sobrevivência, por mais que a vida seja violenta e dura, não abaixaram a cabeça”, pondera Itamar.
Itamar e Eliana resgatam escritos do abolicionista André Rebouças, que sonhou com a abolição e com a reforma agrária. A reforma agrária não ocorreu, mas segue sendo um sonho, e a vida em sociedade depende da vida do campo. A soberania alimentar está diretamente ligada à reforma agrária. “Os poderosos produzem commodities para exportar. O povo não come commodities. A reforma agrária continua sendo um termo urgente para o Brasil”, defende.
As pessoas que vivem na cidade vivem em total alienação e não se preocupam de onde vêm os alimentos. “Temos muita facilidade para acessar alimentos, as pessoas não se preocupam de onde vem o tomate, arroz e feijão. Em cada alimento, há muita luta, muita história”, afirma Itamar. É preciso se perguntar se as pessoas que estão produzindo os alimentos estão sofrendo algum tipo de violência, se têm o direito à terra. Itamar cita Maria da Conceição Tavares: nós não comemos commodities, não comemos o PIB.
Sérgio destaca que o agronegócio é bastante poderoso e é a única força social no Brasil no poder da colonização até hoje. A prova é a retomada da tese do marco temporal no Congresso e a forma como a reforma agrária é rechaçada. E essa forma de apartar o campo da cidade não ocorre por acaso.
O interesse de Itamar pelo Brasil rual vem de muito tempo, o pai foi criado no campo até 15 anos, uma família de agricultores e pescadores que trabalhavam em terras alheias, passando aflições. O escritor conectou sua memória familiar a uma série de romances apresentada pela professora Teresinha Acioli, escritores como Raquel de Queiroz e João Cabral de Melo Neto. Depois que se formou em geografia, passou em concurso do Incra e sabia que iria lidar com a estrutura fundiária brasileira. Ao trabalhar no Maranhão, passou por um estranhamento e familiaridade. Na época, depois de 70 anos de publicação de “Vidas secas” (Graciliano Ramos), o Brasil ainda era tão parecido com o Brasil apresentado nas obras literárias. Itamar queria contar essas histórias que ganham densidade e profundidade. Como geógrafo, poderia ter escrito ensaios, mas considerou que a literatura, como expressão humana, seria capaz de apresentar a subjetividade da vida humana. “A literatura trabalha com a dimensão da emoção, muitas vezes, desprezamos a emoção, como se ela não fosse elementar.” Ele intuía que seria um bom caminho para trazer as histórias para o público, mas não imaginava que era um grande público, ele acredita que o que ocorreu com “Torto arado” indica que o brasileiro quer conhecer sua própria história.
Sérgio lembra que a relação de dominação tem origem no período da escravidão nas casas grandes e a estrutura colonial, pratiarcal, racista e autoritária se perpetua. “A repressão vem quando não conseguem que negros, indígenas e brancos pobres não se rebelem”, avalia o cientista político.
Nos quatros anos do governo anterior, na avaliação de Itamar, as pessoas ficaram distraídas, uma distração cotidiana, quando as pessoas ficavam preocupadas com o que o presidente da república falava em detrimento da atenção aos problemas do País. A eleição do governo atual devolveu ao Brasil uma certa normalidade, e a sociedade voltou a pensar sobre os reais problemas deste país.
“A literatura também pode convocar, sair desse lugar e sentir compaixão pela vida do outro. Nos ligar a partir das personagens, sentirmos suas dores. Poderoso colocar o lugar novo. Literatura é a minha convocação para refletirmos e pensarmos a própria história. Para mim, a literatura tem essa função.”
Sérgio disse que costuma, a partir de sua perspectiva, entender como pode ajudar pessoas como ele, homens, brancos, gente da elite a entender as violências que cometem. Sérgio diz que uma questão que tem ganhado sua atenção é a violência contra a mulher. Ele lembrou que a violência contra a mulher não é um problema novo, lembrou que na escravidão muitas mulheres negras foram estupradas. Mas como o racismo não é um problema dos negros e sim dos brancos, o feminicídio não é um problema das mulheres e sim dos homens.
Sobre o Flipetrópolis
A primeira edição do Flipetrópolis foi viabilizada pela Prefeitura de Petrópolis, o patrocínio do Grupo Águas do Brasil e o apoio cultural do Itaú e da GE Aerospace, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura. Todas as atividades realizadas dentro do Flipetrópolis são gratuitas. Com a curadoria de Afonso Borges, Sérgio Abranches, Tom Farias, Gustavo Grandinetti e Leandro Garcia, acontece entre os dias 1.º e 5 de maio de 2024, no Palácio de Cristal.
Serviço:
Festival Literário Internacional de Petrópolis – Flipetrópolis
De 1.º a 5 de maio de 2024, de quarta-feira a domingo
Local: Palácio de Cristal – R. Alfredo Pachá, s/n – Centro, Petrópolis / Programação Digital – YouTube, Instagram e Facebook – @flipetropolis
www.flipetropolis.com.br
Entrada gratuita