“Na minha família, o respeito aos mais velhos é muito forte. No Candomblé, a gente não só pede a bênção, como a outra pessoa dá. A bênção é o reconhecimento da humanidade na outra pessoa, a reciprocidade muito grande. ” Lívia Sant’Anna Vaz
“Então pensei ‘tudo bem! Existe um mundo para mim, eu posso ficar angustiada. Essas pessoas [Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Fernando Pessoa] não estavam bem também quando escreveram essas coisas’. A partir disso, os autores me faziam companhia. Tudo bem, eu ter angústia.” Maria Ribeiro
“No mundo que a gente vive hoje, todo mundo está bem. Estamos comprando vidas perfeitas. Estou aqui hoje e pensei na minha roupa, me maquiei. Mas isso aqui não é verdade. Eu estou editada, no Instagram estou editada. A vida é perrengue.” Maria Ribeiro
Por Marcia Maria Cruz
As escritoras Lívia Sant’Anna Vaz e Maria Ribeiro conversaram sobre como criar filhos, na tarde deste sábado, 4 de maio, no penúltimo dia do Festival Literário Internacional de Petrópolis, no Palácio de Cristal. As autoras começaram fazendo referência aos antepassados. Lívia mantém relação de muito respeito com sua avó de 102 anos e com suas tias. “No Candomblé, a gente não só pede a bênção, como a outra pessoa também dá. A bênção é o reconhecimento da humanidade da outra pessoa, uma reciprocidade muito grande.”
Lívia destacou que na cidade de Petrópolis, cidade imperial, é importante destacar que a presença dela, uma mulher negra em um evento literário se deve às pessoas negras que vieram antes dela e abriram caminho. Ela citou Jurema Werneck: “nossos passos vêm de longe”.
Maria Ribeiro lembrou que o avô, que foi escritor, está enterrado em Petrópolis. Ele foi autor de dezenas de livros técnicos de medicina. “Hoje em dia, não tenho como admirar meu avô. Mas é importante saber de onde a gente vem”, afirmou. Maria disse que o avô escrevia, mas sua avó o editava, embora tenha ficado invisível. O avô foi reconhecido por pesquisas científicas, mas realizou estudos com prisioneiros. “Como vou admirá-lo?”, questionou.
Lívia revelou que começou a escrever na adolescência, poemas. Mas como estudava em escola particular, era muito cobrada para ser sempre a melhor e deixou a poesia em segundo plano. Retornou aos versos já na vida adulta, precisamente no período da pandemia do coronavírus, momento em que escreveu os seus dois livros: “A Justiça é uma mulher negra” e “Cotas raciais”. “Na pandemia deságuo em palavras”, disse. Nesse momento também cuidava da segunda filha, recém-nascida.
Maria Ribeiro também começou a escrever cedo. Ela era uma criança angustiada que sofria com as crises de ansiedade. Numa aula de literatura, tomou contato pela primeira vez com poemas de Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Fernando Pessoa. “Então pensei ‘tudo bem! Existe um mundo para mim, eu posso ficar angustiada. Essas pessoas [Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Fernando Pessoa] não estavam bem também quando escreveram essas coisas’. A partir disso, os autores me faziam companhia. Tudo bem, ter angústia.”
Maria contou que fica atenta aos gostos culturais dos filhos, de 14 e 21 anos. Ela passou a ouvir MC Kebelinho, Baco Exu do Blues e outros. Para Maria, é preciso conectar com o que a juventude está ouvindo e deixar de entender a literatura como uma produção elitista. Ela contou de um evento em que Sérgio Vaz perguntou para juventude se gostava de poesia e a resposta foi negativa. Mas quando ele perguntou se gostavam dos Racionais MCs, responderam que sim. Então, ele disse ‘vocês gostam de poesia’. Racionais é poesia”.
Lívia falou que as duas filhas são muito questionadoras. “Sou promotora de Justiça. Tenho duas mini-Lívias em casa. Elas me perguntam ‘mamãe, isso não é justo’. Digo ‘vocês vão discutir justiça comigo?’”. Lívia é muito franca com as filhas e também costuma apresentar uma visão crítica e antirracista dos conteúdos escolares. No entanto, Lívia lembrou que é muito difícil para uma mãe negra criar filhos no Brás
“Mães negras dando conselhos aos filhos negros: ‘não coloque o capuz, prefira tomar chuva’. ‘Não leve guarda-chuva, é melhor se molhar,’ ‘não corra’, ‘leve a identidade’. Qualquer objeto é motivo para uma criança negra ser assassinada: um guarda-chuva, um pedaço de madeira. É muito difícil explicar o que é Justiça para um jovem negro.”
Em uma crônica, Maria Ribeiro defendeu o direito ao prato, direito ao respiro. “No mundo que a gente vive hoje, todo mundo está bem. Estamos comprando vidas perfeitas. Estou aqui hoje e pensei na minha roupa, me maquiei. Mas isso aqui não é verdade. Eu estou editada, no Instagram estou editada. A vida é perrengue”. No encerramento, Lívia Sant’Anna recitou versos de Nêgo Bispo e cantou.
Sobre o Flipetrópolis
A primeira edição do Flipetrópolis foi viabilizada pela Prefeitura de Petrópolis, o patrocínio do Grupo Águas do Brasil e o apoio cultural do Itaú e da GE Aerospace, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura. Todas as atividades realizadas dentro do Flipetrópolis são gratuitas. Com a curadoria de Afonso Borges, Sérgio Abranches, Tom Farias, Gustavo Grandinetti e Leandro Garcia, acontece entre os dias 1.º e 5 de maio de 2024, no Palácio de Cristal.
Serviço:
Festival Literário Internacional de Petrópolis – Flipetrópolis
De 1.º a 5 de maio de 2024, de quarta-feira a domingo
Local: Palácio de Cristal – R. Alfredo Pachá, s/n – Centro, Petrópolis / Programação Digital – YouTube, Instagram e Facebook – @flipetropolis
www.flipetropolis.com.br
Entrada gratuita