
Por Gabriel Pinheiro
“A literatura e o pensamento social se encontram para compreender um país em transformação” recebeu Jamil Chade, Itamar Vieira Junior e Míriam Leitão
Literatura e democracia foram tema de uma conversa entre Jamil Chade, Itamar Vieira Junior e Míriam Leitão no 2.º Festival Literário Internacional de Petrópolis – Flipetrópolis. “A literatura e o pensamento social se encontram para compreender um país em transformação” foi uma mesa marcada por uma sequência de declarações potentes dos nossos convidados.
“Estamos num momento ímpar da construção do Brasil. Se me permitam usar a palavra, não estamos soldando a democracia. Com revanche? Não. Com justiça e literatura”, Jamil Chade abriu a mesa num discurso contundente, destacando Míriam Leitão e Itamar Vieira Junior na interpretação do Brasil contemporâneo pela literatura. Na sequência, o mediador comentou que Míriam foi premonitória e colocou em diálogo em seu livro dores profundas do Brasil. “Como foi ver que a realidade alcançou a sua ficção?”, ele perguntou.
Míriam Leitão destacou que o livro sobre o qual Chade comentou é o seu romance “Tempos Extremos”, livro que lida com posições políticas opostas na figura de dois irmãos. Ela brincou, dizendo que, ao sugerir o relançamento da obra – lançada originalmente em 2014 – que aconteceu recentemente, a editora declarou: “Agora o seu livro ficou atual”.
Na sequência, Chade se dirigiu para Itamar Vieira Junior. “Como tem sido essa experiência de retratar o Brasil plural e como o seu novo livro se insere nesse contexto?” Itamar abriu sua fala celebrando o Flipetrópolis e conclamando para que o evento siga integrando o calendário cultural da histórica cidade de Petrópolis. “Eventos como esse não permitem apenas o encontro entre leitores e autores. São espaços de debate importante, de fomento à leitura. Encontros como esse são importantes.”
Itamar comentou sobre a sua literatura e a escrita da “Trilogia da terra” falando sobre o mito da democracia racial. “Escrever ficção tem sido o meu exercício pessoal para pensar o meu país. Fazer um link dos eventos do presente com os eventos do passado. A gente só vai entender o presente se olharmos de forma honesta para nossa própria história.” Segundo o autor, esse é o caminho para que o Brasil supere as suas próprias dores. “Quando fazemos isso, estamos projetando, sonhando um futuro diferente.“
A mesa debateu o trabalho escravo, que segue presente de maneira trágica no Brasil, e suas relações com o trabalho doméstico. “Essa maneira de explorar tudo, pessoas, humanos e natureza que nos trouxe até aqui”, declarou Itamar.
Miriam Leitão também comentou sobre seu livro “Saga brasileira”, que narra a luta brasileira contra a inflação, que atravessa décadas. “O jornalismo é um privilégio porque você pode parar e pergunta: ‘Me conta a sua história?’”, ela refletiu, dizendo sobre como, para a escrita do livro, ela foi até o cidadão comum, para o cotidiano da população brasileira, para entender os efeitos da inflação.
“Vamos encontrando as verdades em meio às histórias. Fico pensando nessas histórias”, prosseguiu Itamar, comentando sobre sua experiência como Geógrafo do Incra. “Ter esse encontro com o mundo real, com a vida, foi fundamental para derrubar esse mitos”, ele refletiu. “Eu já vinha de leituras que mostraram com profundidade e muita honestidade esse Brasil, como Graciliano Ramos, José Lins do Rêgo e Rachel de Queiroz. (…) Mas eram obras que eram cânones, mas eram datadas. Quando fui ao campo, levei um choque ao ver que tudo permanecia igual. Como as coisas poderiam permanecer tal e qual? Pessoas sujeitas a trabalho sem remuneração, ameaças de morte, violência”, ele destacou. “Esse mito do país cordial estava demolido.”
“Hoje, derrotamos o golpismo com as armas da democracia”, declarou Jamil Chade, refletindo sobre a obra “A democracia na armadilha”, de Míriam Leitão. A autora disse que escreveu esse livro como um dever cívico, para informar a população brasileira dos riscos à democracia no Brasil dos últimos anos.
“Fui guiado por um sentimento quando comecei a escrever essa versão de ‘Torto arado’ que veio ao público. Eu queria fazer um registro sentimental de uma história de amor, ao ouvir muitos homens e mulheres declararem que não havia vida sem a terra”, Itamar refletiu sobre a sua “Trilogia da terra”, composta, além de “Torto arado”, por “Salvar o fogo” e o recente “Coração sem medo”. O autor disse que escrever sobre a terra, era falar de algo vital à vida de todo ser vivo. “Eu precisava seguir escrevendo e refletindo sobre a relação que os seres humanos estabelecem com o direito à terra.”
“A terra não é um cenário, não é um palco onde a gente atua. A terra é uma extensão do nosso corpo, não existe vida sem ela”, concluiu Vieira Junior. O jornalista Jamil Chade compartilhou com o público momentos em que presenciou o presidente Lula, em encontros com líderes internacionais, lhes presenteando com exemplares dos livros de Itamar Vieira Junior, arrancando aplausos enfáticos do público.
Ao fim da conversa, Miriam Leitão refletiu sobre a importância da defesa da Amazônia, à luz de seu livro “Amazônia na encruzilhada”. Para o livro, Míriam foi até a Amazônia, onde viu de perto, tanto a preservação da natureza realizada, a muito custo, por territórios indígenas, quanto a violência de grileiros e madeireiros. “Quis contar isso porque é urgente. A Amazônia é parte fundamental da sustentabilidade do planeta.”
“Itamar e Miriam, vocês nos trazem diferentes formas de narrar o brasil, que fazem, juntas, um mosaico”, celebrou Jamil Chade na conclusão da mesa. “Vocês narram o País. Mas também ajudam na construção. Estou convencido de que uma nação plural também nasce por esse processo de dar vida a diferentes comunidades e regiões. (…) Talvez eu possa me dar o direito de chamá-los ‘descolonizadores’.”