You are currently viewing Lívia Sant’Anna e Morgana Kretzmann falam do lugar em que as mulheres, nas suas diferenças, se encontram

Lívia Sant’Anna e Morgana Kretzmann falam do lugar em que as mulheres, nas suas diferenças, se encontram

  • Post category:Notícias

“Em sociedade contaminada pelo ódio, quase não se consegue se desarmar. A literatura é espaço de segurança para desaguar.”  Livia Sant’Anna Vaz


“A literatura é um encontro íntimo com outro. A literatura é um lugar de total afeto, de me sentir acolhida desde sempre.”  Morgana Kretzmann

Por Márcia Maria Cruz

As escritoras Lívia Sant’Anna Vaz, da Bahia, e Morgana Kretzmann, do Rio Grande do Sul, se encontram no Flipetrópolis, no meio do caminho, e também na concepção que ambas têm da literatura como espaço de encontrar o outro, de falar de dores e  lugar de acolhimento. A mesa foi mediada por Estevão Ribeiro nesta quarta-feira, 2 de maio, no Palácio de Cristal. As autoras relembram o momento em que a escrita as capturou.

Lívia revelou que já na juventude escrevia poemas, mas que esse gênero da escrita foi, aos poucos, dando lugar a outras atribuições da vida. Os caminhos a guiaram para o campo do direito. Há oito anos, atua como promotora no Ministério Público da Bahia. A escrita a interpelou com muita força no período da pandemia. “Fui uma menina escritora, que talvez tenha se perdido no meio do caminho por ter que ser a melhor em um mundo embranquecido.” A escrita resgatou a menina que ela foi e ainda é. Em diferentes momentos, Lívia recorre ao fluir da água como metáfora, tanto para seu processo de escrita quanto da recepção de sua obra. “Em sociedade contaminada pelo ódio, quase não se consegue se desarmar. A literatura é um espaço de segurança para desaguar”, afirmou. 

Lívia Sant’Anna atua com o enfrentamento ao racismo e com a defesa dos direitos humanos. Embora seja uma voz nacional contra o racismo institucional,  revela que ela mesma passa por situações de discriminação ao atuar como promotora, espaço que não costuma ser ocupado por mulheres negras. Autora de “A Justiça é uma mulher negra”, Lívia defendeu a urgência de mudar a imagem da Justiça como uma mulher de olhos vendados. A Justiça deve ser construída com as pessoas e não para as pessoas, como se fosse uma instância neutra. Lívia também é autora dos livros “Cotas raciais”, da coleção Feminismos Plurais.

 A escrita esteve sempre presente na vida de Morgana, mas foi aos 40 anos que ela encarou o desafio de ser autora, lançando seu primeiro livro, “Ao pó”. “A literatura é solidão, e o ato da leitura permite a comunicação entre dois seres.” A matéria-prima da sua literatura vem da região onde ela nasceu no Rio Grande do Sul, na fronteira com a Argentina. Inclusive o livro mais recente, “Água turva”, tem como cenário o Parque Estadual do Turvo, no município de Derrubadas. Desde muito cedo, a leitura se tornou espaço de encontro e de comunhão com o outro, principalmente nos momentos em que ela estava muito só. “A literatura é um encontro íntimo com outro. A literatura é um lugar de total afeto, de me sentir acolhida desde sempre”, disse. 

Estevão fez uma provocação para as autoras: se há diferentes formas de viver a experiência de ser mulher, atravessadas por questões de classe, raça, de regiões de origem, onde as mulheres se encontram? Lívia ressaltou que ao falar de mulheres é essencial entender as diferentes vivências, que devem ampliar para as mulheres negras, indígenas, mulheres trans, as lésbicas. “O racismo e o sexismo são tão dolorosos, é nesse lugar que a gente se encontra, e vamos juntando afluentes para essa correnteza que deságua no mar”. Ela vê esse “desaguar” como possibilidade de cura.

Lívia, em referência ao pensamento de Sueli Carneiro, reflete sobre o que é ser mulher negra na sociedade atravessada por duplas opressões, como machismo e racismo. “Sueli Carneiro diz que ser mulher negra na nossa sociedade é viver uma asfixia social.” Ora o racismo, ora o machismo aprisionam as mulheres negras.

A dor é o lugar que as mulheres se encontram na visão de Morgana. “As mulheres se encontram, mesmo que não seja de maneira igual, porque  estamos falando de mulheres, negras e indígenas… A  encruzilhada em que a gente se encontra é quando falamos do medo”, reforçou Morgana. Por outro lado, as mulheres também se encontram na coragem para enfrentar os desafios. “Nós nos encontramos neste medo e nesta coragem.”

Morgana falou um pouco do livro “Água turva”, lançado há um mês, um thriller policial sobre um crime ambiental na construção de uma usina hidrelétrica. Lívia adiantou que o próximo romance que está escrevendo é inspirado na história da avó paterna, Wanda. Ela lembrou um episódio de racismo sofrido pela avó, que trabalhou como empregada doméstica.  O nome da avó foi mudado pela patroa, que não queria que a empregada tivesse o mesmo nome da filha. A patroa passou a chamá-la de Sílvia. Lívia, no fim, cantou uma música de Luedji Luna.  “Quem vai pagar a conta? Quem vai contar os corpos? Quem vai catar os cacos dos corações? Quem vai apagar as recordações? Quem vai secar cada gota? De suor e sangue? Cada gota de suor e sangue? De suor e sangue?” Foi aplaudida de pé e deixou uma reflexão: “Quem vai pagar essa gota de sangue e dor?” Em seguida, as autoras seguiram para os autógrafos. 

Foto: @bleia

Sobre o Flipetrópolis

A primeira edição do Flipetrópolis foi viabilizada pela Prefeitura de Petrópolis, o patrocínio do Grupo Águas do Brasil e o apoio cultural do Itaú e da GE Aerospace, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura. Todas as atividades realizadas dentro do Flipetrópolis são gratuitas. Com a curadoria de Afonso Borges, Sérgio Abranches, Tom Farias, Gustavo Grandinetti e Leandro Garcia, acontece entre os dias 1.º e 5 de maio de 2024, no Palácio de Cristal.

Serviço:

Festival Literário Internacional de Petrópolis – Flipetrópolis
De 1.º a 5 de maio de 2024, de quarta-feira a domingo
Local: Palácio de Cristal – R. Alfredo Pachá, s/n – Centro, Petrópolis / Programação Digital – YouTube, Instagram e Facebook – @flipetropolis
www.flipetropolis.com.br
Entrada gratuita