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Literatura de Carla Madeira e Eliana Alves Cruz flui como a água de um rio em direção ao mar

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“A literatura é bonde da macumbaria no sentido da magia. É dar sentido às palavras e fazer brotar em outro lugar um outro sentimento. Eliana Alves Cruz
A ideia das águas é a própria ideia do homem capaz de sentir. Em Tudo é riotrabalho com o movimento dessas águas. ” Carla Madeira

Por Márcia Maria Cruz

A conversa entre Carla Madeira, Eliana Alves Cruz e Jeferson Tenório seguiu com a força de um rio. Os três escritores, na noite de sexta-feira, 3 de maio, no terceiro dia do Flipetrópolis, se confluíram em curso d’água em  direção ao mar.  Os autores fizeram um bate-papo descontraído. Jeferson destaca a água como elemento de convergência entre os livros das duas autoras, Tudo é rio, romance de estreia de Carla, e Água de barrela, a estreia de Eliana. Jeferson e Eliana vestiam branco, nas sextas-feiras é em honra a Oxalá. Carla, que usava uma roupa preta, brincou: vou pedir a Oxalá para perdoar meu deslize com todo carinho.

A força da água foi abordada por ambas como metáfora da escrita. A água é o elemento mais forte do planeta Terra. Nada faz parar a água. Além de ser indestrutível, destrói e é imprevisível. Quando quer ser mansa, a água refresca, alivia e mata a sede, definiu Eliana. A água é ambígua. Em “Água de barrela, as muitas mulheres negras tiram o sustento do trabalho de lavar as roupas das patroas e sinhás. “Água de barrela faz alusão às lavadeiras. Barrela é um preparado que as mulheres faziam para clarear as roupas, conta Eliana. A escritora lembra que, como as lavadeiras de seu livro, também é da água que ela retira o próprio sustento, em referência à presença forte desse elemento na sua literatura.

O conceito de paisagens internas foi importante para Carla construir as narrativas. A autora inspira-se nas reflexões do filósofo Humberto Maturana, que buscava entender as mudanças operadas pelos corpos humanos. Para mim, ideia das águas é a própria ideia do homem capaz de sentir. Em Tudo é rio trabalho com o movimento dessas águas, diz. Em contraposição, a falta da água é o próprio fim da vida. O que é mais presente na morte é falta de umidade, a aridez.

Foto: @alnereis

As autoras concordam que, embora contem as histórias das pessoas que carreguem momentos de dor, a escrita de ambas revela a alegria. No caso de Eliana, o sentimento aparece mesmo que sob a forma de deboche ou humor. Temas são pesados, porque a vida não é leve.A vida tem passagens, buracos e becos sem saída.

Carla é taxativa: a alegria é recurso poderoso para dar conta da vida”. A filha de Carla, ao ler o seu terceiro livro, perguntou a ela de onde ela retirava histórias tão duras. O interesse em contar as angústias humanas guia Carla na criação, mas isso não impede que a alegria apareça como instantes de alívio.  “Minha filha ao ler seu terceiro livro, disse mãe onde você tira isso? Como você conta essas histórias?

 E Carla revela as escolhas de linguagem para cada um dos livros: “’Tudo é rio’ tem linguagem poética, Véspera, o  humor. Já ‘Naturezatem uma linguagem jornalística e da psicanálise. 

Jeferson também pediu para as colegas falarem de desejo. Carla e Eliana conseguem abordar, na história das personagens mulheres, a presença do desejo sem cair em estereótipos. Em O crime do Cais do Valongo, em que conta o cotidiano do Rio de Janeiro no período da escravidão, Eliana constrói as histórias de uma mulher trans no século 18  e da moçambicana escravizada  Muana Lomué. Numa bela cena do livro, Eliana narra como Muana perdeu a virgindade, fazendo amor com o amor da vida delana praia. Ela foi incentivada pela mãe, uma mulher circuncidada. Um dos meus objetivos é trazer humanidade para quem não teve, coisas feias, contradições e direito ao amor.

Na cultura ocidental, conforme destaca Carla, uma das maiores maldades é associar o sofrimento ao bem e o prazer ao mal. Ela fala um pouco de como foi a construção de personagens de Tudo é rio. A Lucy é fálica, a ela interessa dominar o prazer do outro, diz. A literatura permite deslocar o projeto de dominaçãopelo sexo como prerrogativa dos homens para as mulheres. Enquanto para Lucy, uma prostituta, a sexualidade é  crua e para a Dalva, mulher que gosta de fazer sexo com o marido Venâncio, o sexo é  mediado por amor. Carla disse que Tudo é rio” é resultado de exercício que ela fez com uma dose imensa de liberdade. Quando terminou de escrever, uma pessoa próxima perguntou à Carla: você vai ter coragem de publicar isso?No fim, os autores foram para a sessão de autógrafos.

Foto: @alnereis

Sobre o Flipetrópolis

A primeira edição do Flipetrópolis foi viabilizada pela Prefeitura de Petrópolis, o patrocínio do Grupo Águas do Brasil e o apoio cultural do Itaú e da GE Aerospace, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura. Todas as atividades realizadas dentro do Flipetrópolis são gratuitas. Com a curadoria de Afonso Borges, Sérgio Abranches, Tom Farias, Gustavo Grandinetti e Leandro Garcia, acontece entre os dias 1.º e 5 de maio de 2024, no Palácio de Cristal.

Serviço:

Festival Literário Internacional de Petrópolis – Flipetrópolis
De 1.º a 5 de maio de 2024, de quarta-feira a domingo
Local: Palácio de Cristal – R. Alfredo Pachá, s/n – Centro, Petrópolis / Programação Digital – YouTube, Instagram e Facebook – @flipetropolis
www.flipetropolis.com.br
Entrada gratuita