“O mercado pode impedir um livro de acontecer, mas não garante que um livro vá acontecer. O livro precisa acontecer dentro do leitor.” Carla Madeira
“O importante para mim é contar boas histórias. Não estou preocupado em resolver o País, em colocar meu livro como uma arma que vai tornar o País melhor. A magia e a força estão na leitura.” Paulo Scott
Por Marcia Maria Cruz
Dois dos autores mais lidos do Brasil responderam ao que faz um livro acontecer no mercado editorial. Algumas pistas foram dadas por Carla Madeira e Paulo Scott em conversa com mediação da escritora Eliana Alves Cruz, no segundo dia do Flipetrópolis no Palácio de Cristal.
Com seu livro de estreia publicado em 2016, “Tudo é rio”, a escritora mineira entrou para a lista dos mais vendidos no Brasil, tornando-se a escritora-mulher mais lida do Brasil. “Um romance não examina a realidade, ele examina a existência”, define a mineira a partir da conceituação do escritor checo Milan Kundera. Autor de cinco romances, Paulo Scott é um dos autores mais desafiadores, pelos temas que aborda em suas obras, como, por exemplo, a mistura de raças na composição das famílias brasileiras.
No início de sua fala, Paulo aclamou a chegada de Conceição Evaristo ao auditório. “Conceição e Ana Maria Machado são mulheres que salvam o País de uma ambição invasora, uma ambição que se assume ética, moral, redentora, única. E essas mulheres nos mostram com suas obras e falas que tudo isso está muito errado”, disse em referência às autoras homenageadas pelo Festival.
O primeiro passo para a escrita é entender a literatura como linguagem que quebra paradigmas. “A literatura quando confronta com o direito, ela é um enxergar além. O direito impõe limites, e a literatura rompe limites. Faz o direito parecer quase uma linguagem infantil.” Paulo faz a comparação por ter se formado em Direito e ter migrado para a Literatura que, em suas palavras, “projeta alteridades que o direito quer eliminar”.
Carla remonta a origem familiar para localizar a sua literatura: filha de intelectual, religioso, que falava muitos idiomas, conhecia música, e de uma mãe que mal tinha o Ensino Fundamental. “Desde muito cedo, me deparei com essa equação, razão, emoção e sensibilidade. Foi uma coisa que veio para as minhas questões”. Carla estudou matemática por um tempo, mas depois seguiu para a música e, por fim, formou-se em comunicação. “Aprendi a gostar da palavra através da música, cantando e compondo.”
Carla revelou que a inquietação e o assombro com a condição humana guiam a literatura que ela faz. “Qualquer humano, em qualquer lugar que estiver, lida com finitude, com angústia, lida com o não saber o que vai acontecer. Ver o mundo com tanta impotência me afeta muito.” A literatura é o que a ajuda a encaminhar a angústia. Com formação em matemática, Carla ressignifica a clássica frase do filósofo cartesiano René Descartes: “penso, logo existo”. Ela destaca o sentir como a maior expressão da existência. “Sinto, logo penso.”
A família de Paulo é formada por bons contadores de história. Porém, na sua casa, era mais fácil encontrar livros técnicos do que de literatura. “O importante para mim é contar boas histórias. Não estou preocupado em resolver o País. Em colocar meu livro como uma arma que vai tornar o País melhor. A magia e a força estão na leitura.”
Paulo Scott defende que o escritor não deve se guiar por uma exigência de mercado. Contou que quando compartilhou que gostaria de escrever sobre uma adolescente indígena foi questionado se seria essa mesma. Não se abalou com a objeção e escreveu o romance “Habitante irreal”. O mesmo ocorreu quando escreveu “Marrom e amarelo”.

Paulo quis contar a história do pardo, negritude e branquitude na própria família. O escritor define-se como negro de pele clara cujo fenótipo é lido como branco no Brasil. Ele vem de família negra, com parte indígena, parte portuguesa e parte espanhola. Ao falar da composição da família, ressalta a importância de diferentes heranças que conformam o povo brasileiro. “Heranças que não são das Caravelas, do navio tumbeiro, do cristianismo e do catolicismo, são heranças que oprimem e não deixam espaço, que sustentam empresas e explorações.”
Como mestiço, Paulo diz o quão fundamental é assumir esse lugar. “As pessoas negras de pele mais clara têm espaço para respirar que as pessoas de pele retinta não têm.” O espaço de entre lugar deveria ser usado de outra forma. “Essas pessoas precisam entender que tem uma branquitude colonialista dizendo ‘vem cá, tu és do nosso, fica comigo’, isso é uma armadilha perversa.”
Carla divide a existência de um livro em dois momentos: o processo do autor, de escrever, e o processo da acontecer. “Nem sempre essas coisas estão alinhadas. A gente não tem controle do porquê o livro acontece”. Para Carla, o mercado pode impedir um livro de acontecer, mas não garante que vai acontecer. “O livro precisa acontecer dentro do leitor.” Ao fim, os autores seguiram para os autógrafos.
Sobre o Flipetrópolis
A primeira edição do Flipetrópolis foi viabilizada pela Prefeitura de Petrópolis, o patrocínio do Grupo Águas do Brasil e o apoio cultural do Itaú e da GE Aerospace, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura. Todas as atividades realizadas dentro do Flipetrópolis são gratuitas. Com a curadoria de Afonso Borges, Sérgio Abranches, Tom Farias, Gustavo Grandinetti e Leandro Garcia, acontece entre os dias 1.º e 5 de maio de 2024, no Palácio de Cristal.
Serviço:
Festival Literário Internacional de Petrópolis – Flipetrópolis
De 1.º a 5 de maio de 2024, de quarta-feira a domingo
Local: Palácio de Cristal – R. Alfredo Pachá, s/n – Centro, Petrópolis / Programação Digital – YouTube, Instagram e Facebook – @flipetropolis
www.flipetropolis.com.br
Entrada gratuita