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60 anos do golpe militar no Brasil, um passado cada vez mais presente

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Jamil Chade, acompanhado de Afonso Borges na mesa do Flipetrópolis, detalha relatórios até então sigilosos sobre a ditadura no Brasil

 “Somos herdeiros de um passado criminoso.” Jamil Chade 

Por Henrique Magini

Em sua primeira aparição no Flipetrópolis, o jornalista Jamil Chade apresentou documentos da década de 1970 do regime militar no Brasil e contou que, quando abriu as caixas com o material sigiloso, teve a certeza de que não estava olhando para o passado e sim para o presente do Brasil.

Documentos do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), aos quais ele teve acesso, mostram que neste período, militares brasileiros dificultaram a entrada de membros da entidade no País para avaliar as graves violações de direitos humanos. O CICV é uma organização neutra, imparcial e independente e que trabalha no mundo todo para levar assistência humanitária às pessoas afetadas por conflitos e pela violência armada e para promover leis que protejam vítimas de guerra. Durante anos o comitê solicitou ao governo militar, inúmeras vezes, acessos aos locais de presos políticos e presos de guerra, justamente para avaliar as condições humanitárias desses locais. Em todas as tentativas, os pedidos foram negados, deixando claro que, na época, existia no Brasil uma política deliberada do país para enganar o mundo.

Jamil destacou que Alfredo Buzaid, ministro da Justiça à época, recebeu uma carta do comitê em julho de 1970 em que afirmava que no Brasil não havia tortura nem violência e, ainda, que o governo brasileiro daria prova cabal à opinião pública interna e externa. Vale ressaltar que o comitê não divulga qualquer informação sobre as condições encontradas nas prisões, inicialmente avalia e depois exige ao País, em casos de condições adversas, as providências para um tratamento digno dos presos.

Sendo visitado frequentemente  por dissidentes, como Apolino de Carvalho e Ladslau Dowbor, o Comitê era visto por eles como a única entidade capaz de intervir nas condições dos locais de tortura. Após reunirem alguns relatos de pessoas que foram liberadas, o Comitê teve acesso a um material que dizia que “o método utilizado é científico. Baseia-se na aplicação dosada de um sofrimento atroz, dentro do limite exato da resistência humana, quando isto se faz necessário”.

Com este documento, o Comitê solicitou ao Vaticano que auxiliasse na intervenção. Também sem sucesso. “O Papa não consegue”, frisou Jamil.

Em 1973, acontece um “acerto” entre o Comitê Internacional e o governo brasileiro. A condição exigida pelo governo era para que viessem como membros da Cruz Vermelha Brasileira. Nesta condição, o Comitê vem ao Brasil e são encaminhados a prisões comuns, onde não encontram os problemas citados pelos dissidentes.

Somente em 1975, também como membro da Cruz Vermelha Brasileira, o Comitê consegue voltar ao Brasil e visitar os presídios onde aconteciam as tortura, e confirmam que as prisões eram em locais secretos. Até 1979, o governo tentava mentir sobre as prisões e sobre os tratamentos com os presos.

Foto:@alnereis

Jamil também falou que não existe momento tão propício para olhar para o passado quanto agora, frisando que “somos herdeiros de um passado criminoso” e deixou algumas perguntas sobre o tema. Uma delas é sobre a participação do Itamaraty em mentir sobre o assunto. Outra, além de todos os membros do regime militar, quem mais fez parte desse processo?

Antes do encerramento de sua fala, Jamil declarou que diversas vezes escuta a frase “devemos deixar o passado” e reforçou: “Eu não! Eu quero construir um novo futuro; quem está preso no passado, infelizmente, é o Brasil”.

Ao fim da sua participação, lembrou o seu livro com a escritora Juliana Monteiro, “Ao Brasil com amor” e também falou da biografia do Maestro João Carlos Martins, de sua autoria, que tem lançamento marcado para o dia 4 de junho, na Sala São Paulo.

Jornalista e escritor, Jamil Chade é correspondente na Europa há duas décadas e tem seu escritório na sede da ONU em Genebra. Com passagens por mais de 70 países, Chade vive na Suíça desde 2000. É autor de sete livros, três dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti. Entre os prêmios recebidos, o jornalista foi eleito duas vezes como o melhor correspondente brasileiro no exterior pela entidade Comunique-se. Chade é embaixador do Instituto Adus, conselheiro do Instituto Vladimir Herzog e membro da comissão de Liberdade de Expressão da OAB-SP.

Sobre o Flipetrópolis

A primeira edição do Flipetrópolis foi viabilizada pela Prefeitura de Petrópolis, com o patrocínio do Grupo Águas do Brasil e o apoio cultural do Itaú e da GE Aerospace, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura. Todas as atividades realizadas dentro do Flipetrópolis são gratuitas. Com a curadoria de Afonso Borges, Sérgio Abranches, Tom Farias, Gustavo Grandinetti e Leandro Garcia, acontece entre os dias 1.º e 5 de maio de 2024, no Palácio de Cristal.

Serviço:

Festival Literário Internacional de Petrópolis – Flipetrópolis
De 1.º a 5 de maio de 2024, de quarta-feira a domingo
Local: Palácio de Cristal – R. Alfredo Pachá, s/n – Centro, Petrópolis / Programação Digital – YouTube, Instagram e Facebook – @flipetropolis
www.flipetropolis.com.br
Entrada gratuita